sexta-feira, 20 de março de 2009

"Uma misericórdia que nos desafia"

Texto de Pe. Julián Carrón sobre a carta que o Papa Bento XVI escreveu a todos os Bispos da Igreja. O texto foi extraído do Jornal Avvenire, edição de 14.03.2009.

A primeira coisa que impressiona é o fato de o Papa ter sentido a necessidade de escrever uma carta como essa: cheia de dor diante da incompreensão, não tanto dos estranhos, mas dos católicos. É um caso insólito na história recente, pelo que me lembre, e sinal de que não entendemos um gesto que, como demonstra a carta, é cheio de razoabilidade.
Em sua simplicidade, foi um gesto de misericórdia perante uma parte dos fiéis confiados a sua paternidade de pastor universal da Igreja, um gesto que adquire todo o seu alcance ante a dureza daqueles que o criticam, inclusive das próprias pessoas a quem se dirigiu. Esse gesto põe diante de todos o escândalo cristão. De fato, ao ler a carta, é difícil não nos lembrarmos das palavras de Jesus: "Bem-aventurado aquele que não se escandaliza comigo", dirigidas a quem se aborrecia porque Ele comia com os publicanos e os pecadores. A misericórdia, gesto inequívoco do divino, continua a escandalizar como no primeiro dia. Pena que isso aconteça também entre aqueles que pertencem ao povo dos remidos, ou seja, entre os primeiros a terem sido objeto de uma misericórdia sem fim.
Diferentemente do que pensam aqueles que acham que Bento XVI confirma os destinatários em sua posição, o gesto do Papa constitui o maior desafio diante do qual estes jamais se encontraram. Só a misericórdia desafia a nossa teimosia, como nenhum outro chamado de atenção. Aquele a quem muito é perdoado muito ama, diz Jesus. A nenhum outro gesto é tão sensível o homem como ao gesto da misericórdia; tanto é, que foi esse o método de Jesus, como nos lembra São Paulo: "Quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós". A resposta do Papa é uma resposta à "prioridade que está acima de todas, tornar Deus presente neste mundo", um Deus encarnado cujo nome é "misericórdia", que se manifesta por meio da "unidade dos que creem".
Essa carta é um "alento" pelo qual não podemos deixar de agradecer ao Papa, tanto mais quanto mais aumenta a dureza daqueles que reduzem a vida cristã a um moralismo sufocante. Nada, mais que uma carta como essa, faz que eu me sinta orgulhoso de pertencer à Igreja, cheio de confiança de que, no dia em que vier a errar, serei tratado com igual misericórdia.


(extraído do jornal Avvenire, edição de 14 de março de 2009; traduzido por Durval Cordas)

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